Falando de Trova

 


    Pronto. Acabei de compor uma trova. Agora, deixe-me ver se está dentro das regras. Todos os versos com sete sílabas poéticas? Sim. Rimando o 1º com 3º e 2º com 4º? Sim. O ritmo está bom? Epa, espera aí, ritmo? É aquela coisa de sílaba tônica na 4ª e 7ª sílabas, ou 3ª, 5ª e 7ª? Xi, nem me lembrava mais disso. Tem um verso aqui com tônica na 6ª e 7ª e outro na 2ª e 3ª. Vou ter que mudar isso.

    O que mais tenho que ver? Sonoridade? Ah, é brincadeira, não é? Se eu tenho uma rima “endo” e outra “ente” ou uma “Ina” e outra “inte”, minha trova empobrece. Essa não. E, para piorar, no transcorrer dos versos eu não mesclei as vogais: tem muito “o” e pouco “a”. Ou algo parecido... Vou ter que mexer de novo.

    Agora sim, as sílabas tônicas não estão “trombando” entre si; a musicalidade está a contento; rima, métrica, tudo. A trova está completa! Ou não???

    Sabe o que é? Tem um professor chato aqui ao meu lado, que não se contenta com nada. Ele agora quer saber sobre o conteúdo. Pede que eu verifique se a trova não ficou muito “infantil”, ou piegas, ou então bem elaborada mas comum demais. Sugere que eu pegue verso por verso e os submeta ao “Google”, para ver quantas vezes já foi utilizada cada expressão.

    Para completar, ele diz que a minha trova tem que ter um “achado”, isto é, algo diferente, que ao mesmo tempo emocione e surpreenda ao leitor e consiga driblar a implacável ferramenta de busca que há na Internet. E pede, ainda, que eu confira se não há cacófato: aquele desagradável encontro de duas palavras, formando uma terceira, com resultado pífio.

    Ah, quer saber? Desisto! Isso mesmo: DESISTO! Vou continuar compondo meus versos livres de qualquer imposição, dando vazão apenas à intuição (nossa, que sequência horrível: “imposição/vazão/intuição!). Bem, mas não importa, como eu dizia: pra mim, trova é coisa de gente velha.

    Eu, hein! Tchau, professor, a gente se vê por aí!

    OBS = o texto acima é mera ficção. Você não é brasileiro? Ao invés de desistir, persevere; comece a praticar WALDIR NEVES. Depois enverede por JOÃO RANGEL, TADEU HAGEN e tantos outros. Você verá que “trovar vale a pena”. Depende do tamanho de sua alma!

    Ah, eis, abaixo, três exemplos de trovas da mais fina linhagem, do jeitinho que eu gostaria de compor quando eu crescer:


Ao traçar vidas sem rumo

do desgraçado, do louco,

não sei não, mas eu presumo

que a mão de Deus treme um pouco!

                                             Waldir Neves

 

A lágrima é um pingo d’água,

Irizado e transparente:

- A bailarina da mágoa

dançando no olhar da gente.

                    João Rangel Coelho 

 

Mil conquistas... sonhos vãos

que passaram como a bruma...

Eu apertei tantas mãos

e não segurei nenhuma!...

                    Arlindo Tadeu Hagen


 (Publicado no jornal Tribuna do Norte, ed. nº 8287)
http://jornaltribunadonorte.net/pdf/8287.pdf

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